ESPECIAL

Nos próximos dias, publicaremos a íntegra de um trabalho desenvolvido para a disciplina de Políticas Públicas do curso de especialização em jornalismo científico do Labjor. Trata-se de um levantamento amplo das políticas de difusão da ciência e tecnologia no Brasil, com destaque para o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional, mais conhecido como PAC da Ciência. Os textos foram produzidos em novembro de 2007.

No primeiro texto, um panorama da política nacional de difusão de C,T&I.

Na marca do gol

O Brasil busca driblar as dificuldades para implantar uma política de C&T que seja de estado, não de governo

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Há anos, os brasileiros convivem com um ciclo de descontinuidade. Políticas públicas “inovadoras e revolucionárias” são propostas, por vezes implementadas, mas abandonadas e substituídas tão logo mudam os governantes. Quem deixa o poder não se preocupa em passar a bola para quem chega, e quem chega não se interessa em aproveitar o trabalho realizado pelas gestões anteriores.

Vaidade, ideologia, competição… as razões para esse tipo de comportamento são diversas. Geralmente o que se vê é a sobreposição de questões governamentais -vinculadas à plataforma dos partidos e ao jogo de nteresses- às questões de Estado -vinculadas ao bem-comum.

A prática da descontinuidade política permanece, mas já é possível identificar avanços materializados em propostas construídas a partir da contribuição de diversas gestões. Esse é o caso do Plano de Ação de C&T para o Desenvolvimento Nacional.

Neste mês de novembro, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) lança o Plano de Ação de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Nacional 2007- 2010. O PAC da Ciência, como vem sendo chamado, prevê um investimento de R$ 39,1 bilhões no setor, provenientes de Ministérios, do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), de parcerias com governos estaduais, das fundações de amparo à pesquisa (FAPs) e da iniciativa privada.

O Plano foi estruturado em quatro eixos: expansão e consolidação do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I); promoção da inovação tecnológica nas empresas; incentivo à pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas; e investimento em C&T para o desenvolvimento social. Cada um dos eixos é apoiado por grandes linhas de ação, detalhadas em metas e no rateamento de recursos.

A estrutura e orçamento do Plano, apresentados como pontos fortes da nova política, são vistos com certa descrença por alguns estudiosos do setor. Segundo a professora do Departamento de Políticas Científicas e Tecnológicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em economia industrial, Maria Beatriz Bonacelli, outras iniciativas apontando “eixos”, setores estratégicos ou setores diversos de inovação em C&T já foram propostas, mas ficaram na teoria. Ela ressalta também que parte dos recursos a serem injetados, pelo plano, no sistema de C&T já existe, mas está contingenciada. “Há uma outra parte, mas as fontes não estão certas. O ministro Sérgio Rezende faz alarde de recursos que só serão descontingenciados até 2010”, completa.

Com relação à disponibilidade desta verba, pelo risco de contingenciamento, o ministro Sergio Rezende diz que “risco de contingenciamento sempre há na administração, mas o governo Lula se comprometeu a ir reduzindo o percentual de retenção de dinheiro para o setor científico-tecnológico no decorrer de seu governo, de forma que a promessa é chegar a 2010 com contingenciamento zero.”

Continuidade política
O PAC da Ciência vem sendo desenhado há alguns anos, a partir do amadurecimento de contribuições de diversos gestores. Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso na presidência do país, o MCT, comandado pelo então ministro Ronaldo Mota Sardenberg, produziu o Livro Branco, documento elaborado a partir dos resultados da 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em setembro de 2001. Publicado em junho de 2002, o livro relata iniciativas de destaque do ministério, como a formulação da Lei de Inovação, aprovada em 2004, e a instituição dos Fundos Setoriais, além de esboçar uma política de C,T&I de longo prazo, com diretrizes gerais para os dez anos seguintes.

Desde então, três ministros já passaram pelo MCT: Roberto Amaral (2003 – 2004), Eduardo Campos (2004 – 2005) e Sérgio Rezende, o atual. As iniciativas propostas e realizadas enquanto estiveram à frente do Ministério, com destaque para o desenvolvimento e a implantação de uma Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCT&I), dão continuidade à linha de ação balizada no Livro Branco e estão documentados no Relatório de Gestão do MCT relativo ao período de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. O relatório apresenta também os quatros eixos estratégicos do Plano de Ação e enfatiza a premência de transformar a C,T&I em instrumento do desenvolvimento nacional.

Popularização
Uma das grandes novidades do PAC em relação às iniciativas sinalizadas anteriormente é a diretriz do quarto eixo – ciência e tecnologia para o desenvolvimento social – que dispõe de aproximadamente R$ 1,4 bilhão para ser investido em dois segmentos: popularização da C&T e melhoria do ensino de ciências, e tecnologias para o desenvolvimento social. De acordo com Sérgio Rezende, essa diretriz “inclui todo o movimento que o Ministério tem criado para promover a divulgação científica e para incentivar projetos de melhoria para o ensino das ciências, além do desenvolvimento de iniciativas como a Olimpíada de Matemática em escolas públicas”.

A importância da divulgação da C&T na promoção do desenvolvimento social é defendida com afinco pelo diretor do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI/MCT), Ildeu de Castro Moreira, no artigo A inclusão social e a popularização da ciência e tecnologia no Brasil, publicado na edição de abril/setembro da revista Inclusão Social. No texto, Moreira assevera que “um dos aspectos da inclusão social é possibilitar que cada brasileiro tenha a oportunidade de adquirir conhecimento básico sobre a ciência e seu funcionamento que lhe dê condições de entender o seu entorno, de ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho e de atuar politicamente com conhecimento de causa”.

Desde 2003, o MCT vem direcionando a popularização da C&T para a atuação no campo da inclusão social. Isso ficou patente na criação, em 2005, da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (SECIS), da qual faz parte o DEPDI. “Mas as ações empreendidas até hoje parecem mais próximas de modelos deficitários, que privilegiam a abrangência do público, e não de modelos onde as ‘vozes’ e ‘percepções’ dos diferentes públicos sobre assuntos de C&T são legitimadas”, observa a pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não-Formal e Divulgação em Ciência (GEENF) e mestranda em Ensino de Ciências e Matemáticas da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Ana Maria Pavan.

As propostas do quarto eixo – popularização da C&T e melhoria do ensino das ciências – para os próximos anos foram sistematizadas em quatro linhas prioritárias. A primeira prevê o apoio a projetos e eventos de divulgação e de educação científico-tecnológica e conta com aproximadamente R$ 87,6 milhões para atingir uma série de metas e objetivos, como consolidar e expandir a Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, lançada em 2004; estimular o uso dos meios de comunicação para divulgação da C&T; amparar a realização de feiras de ciência, olimpíadas, produção de material didático e atividades culturais para a divulgação científica; e promover a formação e qualificação de comunicadores em C&T.

A segunda linha dispõe de cerca de R$ 95,20 milhões para apoiar a criação e desenvolvimento de centros e museus de ciência e tecnologia. A terceira propõe ampliar o alcance da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), criada em 2005, para que a iniciativa chegue a 90% dos alunos da rede pública de ensino. Para isso, o Plano prevê uma verba de R$ 140,4 milhões. A última linha, realizada em parceira com o Ministério da Educação (MEC) tem R$ 91 milhões e visa o desenvolvimento de conteúdos digitais multimídia para educação científica e popularização da C&T na internet.

Segundo Pavan, as propostas para a popularização da ciência e a inclusão social expressas no PAC estão em sintonia com modelos democráticos e participativos, em que o conceito de ‘inclusão’ é entendido na sua real complexidade. A pesquisadora explica que, para se promover a inclusão social, é preciso não só existir um processo de circulação e difusão de informação, mas também criar condições propícias de participação cidadã, para que a sociedade se posicione criticamente em relação a assuntos de C&T e seja ouvida.

Pavan ressalta, ainda, que o Brasil está seguindo uma tendência observada em outros países da América Latina, ao construir, pela primeira vez, um discurso político de popularização da C&T. “O risco é que a idéia de trabalhar com concepções diferenciadas de ciência e de público fique só no discurso. Por esse motivo, o importante é ver como as preocupações e intenções do atual governo passam da retórica à prática e são realmente incorporadas em programas e projetos desenvolvidos”, adverte.

Bonacelli também faz ressalvas nesse sentido. A professora frisa que o mais importante não é o montante de recursos previstos ou as ações propostas, mas a eficiência do plano, o seu acompanhamento, a avaliação da política e o feedback.

Foco na educação
Uma série de indicadores justifica a preocupação do governo brasileiro com o ensino das ciências. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), conduzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil ficou em 42º lugar em um ranking de aptidões para as ciências envolvendo 43 países.O estudo, divulgado em 2003, avaliou a capacidade de estudantes de 15 e 16 anos em usar conhecimentos científicos, reconhecer perguntas relacionadas às ciências, identificar questões envolvidas em pesquisas científicas, associar dados científicos com afirmações ou conclusões e comunicar esses aspectos da ciência. Um dos reflexos desse quadro é o baixo índice de brasileiros que optam por carreiras científicas – apenas 1%.

Conforme afirma Moreira, o desempenho geral dos estudantes brasileiros em assuntos relativos a ciências e matemáticas é muito baixo. E não só estudantes, mas grandes parcelas da população, encontram-se excluídas do universo do conhecimento científico e tecnológico básico. “O ensino de ciências é, em geral, pobre de recursos, desestimulante e desatualizado. Curiosidade, experimentação e criatividade geralmente não são valorizadas”, resume.

Outro problema grave, segundo ele, é a falta de professores qualificados para Matemática e Ciências. “Há uma carência enorme de professores de Ciências. A formação destes profissionais é limitada, há pouco estímulo ao aperfeiçoamento. As condições de trabalho também não ajudam, pois há deficiências graves em termos de laboratórios, bibliotecas, material didático, inclusão digital etc”, critica Moreira. Ainda de acordo com ele, políticas públicas para atacar esses problemas estão sendo desenhadas e implementadas envolvendo diferentes atores. “O problema da educação transcende o governo federal e deve envolver os governos estaduais e municipais, as instituições e toda a sociedade”, pondera.

O Brasil tem um padrão de educação muito inferior quando comparado a países com PIB per capita equivalente ao seu. “Países muito mais pobres tem situação de educação bem melhor, o que elimina qualquer desculpa do tipo ‘infelizmente, somos um país pobre’”, destaca Yurij Castelfranchi, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e mestre em Comunicação da Ciência. Por isso, ressalta, é necessário que todas as atividades de divulgação e popularização da C&T e de participação social integrem-se a esforços na área de educação pública.

Percepção pública
Castelfranchi fez parte do grupo que elaborou o questionário da Pesquisa Nacional de Percepção Pública da Ciência, realizada em 2006. A pesquisa – financiada pelo MCT, com apoio da Acadêmia Brasileira de Ciência (ABC), e coordenada pelo Departamento de Popularização da C&T/MCT e pelo Museu da Vida da Fiocruz – fez um levantamento do interesse, grau de informação, atitudes, visões e conhecimento que os brasileiros têm da ciência e tecnologia. Os resultados da enquete apontaram que C&T interessam mais aos brasileiros (41% declaram ter muito in-teresse) que política (20%) e moda (28%), e quase o mesmo tanto que esportes (47%). Outros temas ligados à área científico-tecnológica despertam ainda mais a atenção da sociedade, como medicina e saúde (60%) e meio ambiente (58%). “Os dados mostram que, no Brasil, há uma porcentagem de pessoas interessadas em C&T, meio ambiente e saúde tão alta quanto em muitos países europeus ou da América do Norte, o que contrasta com um certo estereótipo de que o brasileiro só se interessa por samba ou futebol”, avalia o pesquisador.

O estudo revelou outros indicadores importantes para a formulação de políticas públicas, como o baixo índice de visitação a centros e museus de ciência e de participação da sociedade em eventos ligados à C&T. Apenas 4% dos entrevistados disseram ter visitado algum centro ou museu de ciência naquele ano. Para efeitos comparativos, na Europa, esse índice chega à média de 25% da população. Além disso, os resultados da enquete expuseram o pouco conhecimento dos brasileiros em relação ao nome de alguma instituição de pesquisa ou de algum cientista do país. Somente 15% foram capazes de citar um nome.

A despeito desse quadro de defasagem, grande parte dos entrevistados manifestou-se otimista em relação aos benefícios proporcionados pela C&T. Por outro lado, também mostrou-se preocupada com os impactos sociais, econômicos e políticos da C&T e interessada em saber mais sobre o assunto e em se envolver com as grandes questões ligadas a ele. “Muitos brasileiros expressaram explicitamente vontade de exercer seu direito democrático de participar das decisões importantes sobre C&T. Por isso, a intensidade e capilaridade as atividades de educação científica, divulgação e participação social em C&T são cruciais para o Brasil nos próximos anos”, conclui Castelfranchi.

:: Flávia Dourado ::

Colaboraram: Adriana Lima, Ana Paula Morales, Carla Gomes, Elisa Oswaldo Cruz, Leila Ming, Marina Mezzacappa e Thaís Mendes.

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